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14.2.06

DEPRESSÃO INFANTIL II


O João frequentava uma escola vulgarmente catalogada como “problemática” e estava identificado como uma criança pertencente a uma família caótica. Apesar de ser ainda muito novo – estava no primeiro ciclo – já era conhecido como o terror da turma. Caracterizá-lo como irrequieto ou travesso é usar eufemismos ridículos. Tratava-se, de facto, de um miúdo cuja história familiar tinha sido marcada por violência física exercida tanto sobre a mãe, como sobre as crianças. Na escola o seu sofrimento era exteriorizado através da violência exercida sobre os colegas e/ou através de ataques à professora e aos auxiliares de educação.

Apesar de tudo, ninguém o via chorar. O que não quer dizer que não o fizesse: nalgumas alturas, os seus lindos olhos verdes pareciam maquilhados com um contorno roxo que denunciava noites de choro solitário.

Algures a meio do primeiro ciclo a Maria também começou a aparecer na escola com os olhos delineados com a mesma cor arrepiante. Como o João, não chorava à frente de ninguém. Como o João, parecia aliviar as emoções através de comportamentos mais ou menos rebeldes. Só que a Maria não estava identificada como uma criança “com problemas” e frequentava, na altura, um colégio conceituado.

A dor da Maria não advinha de anos de violência familiar, mas nem por isso merece menor atenção. Sofria com a separação dos pais, com as ameaças que o pai exercia sobre a mãe e com o fantasma de imaginar a mãe sem um tecto.

Já aqui escrevi sobre o facto de a depressão infantil se manifestar quase sempre de forma atípica. Hoje gostaria de salientar que há muitas formas de abandono.

Aparentemente, a Maria era uma criança com condições de desenvolvimento mais satisfatórias. Ao contrário dos pais do João, os seus não viviam num bairro de realojamento, nem estavam a receber o “Rendimento Mínimo Garantido”. Mas nem o grau de formação académica, nem o ambiente sócio-cultural em que viviam impediram que os pais da Maria olhassem (cedo) para o seu sofrimento.

As crianças (como o João e a Maria) podem não saber como pedir ajuda de forma directa. Por isso, cabe aos adultos que as rodeiam – pais, professores, psicólogos, médicos, auxiliares de educação, assistentes sociais, vizinhos – o dever de olhar para elas e para o seu comportamento “com olhos de ver”.
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