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26.6.07

AMIGOS

Fundamentais – em momentos de crise, na partilha de todas as glórias e até nas ocasiões mais insignificantes. É assim que a generalidade das pessoas avalia a importância dos seus amigos.

Mas não pretendo estender-me sobre o conceito da amizade “per se”. O objectivo deste texto visa desconstruir alguns mitos acerca do papel dos amigos na conjugalidade.

Quando entrevisto os casais que vêm ao meu consultório é natural que procure conhecer, também, que peso tem esta variável nas suas vidas. E muitas vezes apercebo-me de que os amigos não são um “bem” suficientemente valorizado, nem tão-pouco um recurso estimado.

Aquando da formação do casal há “os meus, os teus e os nossos”. As pessoas mais tolerantes e emocionalmente mais inteligentes alargam naturalmente o número de amigos, procurando conhecer, sem juízos de valor, os amigos do companheiro. Pelo contrário, aquelas que se deixam assolar por medos, inseguranças e/ou preconceitos não se cansam de criticar os amigos do cônjuge, podendo até tentar afastá-lo daqueles que compõem a sua rede social. Estas investidas são quase sempre fatais, já que reduzem significativamente os níveis de satisfação conjugal, dando origem a mal-estar, equívocos, cobranças e o progressivo afastamento entre os membros do casal.

Nas relações felizes os amigos nem sempre têm a mesma proximidade com os dois membros do casal. Na verdade, entre os amigos “do casal” há espaço para que alguns funcionem como confidentes de um deles. À primeira vista, isso poderia dar azo a alianças perversas e, no fundo, creio que é isso mesmo que algumas pessoas temem.

Quantas vezes é que o próprio leitor foi confrontado com o dilema de contar ou não contar um episódio relacionado com o seu cônjuge a um amigo? A necessidade de partilhar as suas angústias pode pesar tanto quanto a vontade de preservar a imagem do companheiro. Mais: para algumas pessoas a partilha da sua intimidade conjugal com amigos – mesmo que sejam de absoluta confiança – é acompanhada de fortes sentimentos de culpa.

Como em todas as áreas da vida, nesta matéria é preciso haver bom senso. É louvável que os membros do casal procurem proteger-se mutuamente, blindando a terceiros a sua intimidade e as suas vulnerabilidades. Contudo, esta atitude não deve ser levada ao extremo. Quando alguém ceifa a possibilidade de partilhar com um amigo as suas dores, pode estar a prejudicar a própria relação conjugal. Senão, vejamos: quando descarregamos as nossas “neuras” com pessoas exteriores à relação libertamos grande parte da tensão e somos, quase sempre, confrontados com uma perspectiva mais serena sobre os problemas. Os amigos têm o papel fundamental de nos acalmar e chamar à razão. Além disso, os verdadeiros amigos não estão interessados em fazer juízos de valor acerca do nosso cônjuge. Querem, isso sim, ajudar-nos a sermos felizes.

Deste esfriamento resulta muitas vezes a capacidade de olhar para o cônjuge e para as dificuldades com uma perspectiva diferente da inicial. Pelo contrário, na ausência desta partilha podemos ser invadidos por ruminações perigosas. Isto é, quando nos deixamos entregues aos nossos próprios pensamentos sobre um problema conjugal tendemos demasiadas vezes a empolar as situações, alimentando a nossa raiva. Resultado: algumas horas depois surge a sensação de que a situação é muito pior do que no início.

Este é um ciclo vicioso a que alguns casais se “entregam”. É como se não soubessem funcionar de outra forma. Ao fim de alguns anos o novelo de problemas e os defeitos do cônjuge parecem pura e simplesmente não ter fim…

Não poderia ser hipócrita e considerar que há regras universais a aplicar nesta área e/ou que estas escolhas são processos fáceis. Importa considerar que algumas pessoas são “forçadas” a agir de determinada maneira. Por exemplo, se as investidas forem mal sucedidas e uma pessoa se sentir traída por alguém em quem decidiu confiar, é expectável que haja algum retraimento, que entretanto se generaliza a toda a rede social. De facto, as más experiências podem ter efeitos devastadores.

Ninguém pode avaliar com exactidão o carácter de outrem, pelo que estamos sistematicamente expostos ao erro. Quando contamos um segredo, fazemo-lo porque acreditamos que ele morrerá ali e que quem o ouve se escusará a fazer juízos de valor. Mas isso nem sempre acontece. Para alguns, as más experiências traduzem-se na percepção de que um segredo conjugal se transformou em notícia de jornal. Para outros, a frustração está no facto de o próprio, o seu cônjuge ou até os dois passarem a ser vistos de modo diferente.

À medida que amadurecemos e aprendemos com as experiências por que passamos, tudo se torna mais claro. Aprendemos a diferenciar as pessoas em quem podemos confiar das “outras”. Os melhores amigos não são aqueles que concordam com tudo o que dizemos, nem tão-pouco aqueles que nos bajulam. Nas relações de amizade verdadeiras há confronto, respeito e confiança.

E se formos emocionalmente inteligentes na amizade, é muito provável que também o consigamos ser no amor. Só assim seremos capazes de perceber que, se o nosso cônjuge partilhou um problema “do casal” com um amigo, isso não é necessariamente mau. É natural que nos sintamos mais vulneráveis. É até expectável que haja algum embaraço. Mas é preciso que saibamos reconhecer a importância desta ajuda e distingui-la da intriga gratuita.
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