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22.6.10

SOLIDÃO E CRISES EXISTENCIAIS

“Nenhum homem é uma ilha”
John Donne

O isolamento social anda de mãos dadas com os transtornos depressivos e ansiosos – tenho-o dito aqui inúmeras vezes. As pessoas que vivem sozinhas e/ou que não têm uma relação conjugal não são necessariamente pessoas sós e, muito menos, pessoas infelizes. Do mesmo modo, existem pessoas casadas, com filhos, supostamente amparadas por uma rede de suporte, que se sentem incrivelmente sós. De resto, ouço com muita frequência adultos de todas as idades queixar-se da falta de amigos e da dor da solidão. Não será com certeza por acaso que proliferam as agências que promovem encontros entre adultos e os clubes de amizade que antigamente se organizavam através de chamadas de valor acrescentado e que hoje se dispersam pela Internet.

Muitas pessoas queixar-se-ão dos hábitos de vida da maioria das grandes cidades, culpando-os por esta espécie de epidemia moderna. Terão alguma razão. Mas a solidão é essencialmente provocada por falhas de comunicação. Dir-me-ão que se trata de “conversa de psis”, mas a verdade é que as pessoas que exteriorizam clara e eficazmente as suas necessidades e os seus afectos, aquelas que são capazes de se comprometer com as pessoas que compõem a sua rede social e com a sua comunidade são mais felizes.

Digo muitas vezes às pessoas com quem trabalho e que estão enredadas em padrões comportamentais que alimentam a sua solidão para saírem mais, para se rodearem das pessoas de quem gostam, para evitarem estar em casa horas a fio. Refiro-me à importância de interagirem com outras pessoas e de, assim, se dispersarem dos pensamentos destrutivos que tantas vezes as consomem. Mas sei bem que não é qualquer conversa que nos tira da solidão. Mais: há até conversas “tóxicas” que far-nos-ão mais mal do que bem. As pessoas que estão sistematicamente a criticar tudo e todos, aquelas que expressam constantemente a sua negatividade, a falta de prazer em relação às coisas mais banais aumentam a probabilidade de nos sentirmos sós, desamparados, rejeitados. Estas conversas (tóxicas) não aproximam ninguém. Podem até constituir uma forma de exteriorizar as mágoas, mas promovem sobretudo distanciamento, isolamento social, ansiedade, desvalorização pessoal e depressão.

Quando somos capazes de nos expor, quando revelamos os nossos verdadeiros sentimentos e, do outro lado, recebemos empatia, tolerância e compreensão, a conversa deixa de ser tóxica e passa a fazer sentido. Comprometermo-nos em termos das relações sociais não implica apenas revelarmo-nos e esperarmos que alguém nos ouça ininterruptamente. Implica que sejamos também capazes de ouvir, que sejamos capazes de dar de nós, de mostrar interesse e atenção em relação às vidas que nos rodeiam. Aqueles que não são capazes de regar as suas amizades e/ou de se comprometer com a sua comunidade arriscam-se a sentir-se sós. Mais: arriscam-se a enveredar por ciclos viciosos em que, por um lado, apenas exteriorizam lamúrias e queixumes e mostram-se incapazes de se descentrar dos seus dramas pessoais e, por outro lado, procuram desesperadamente um companheiro que dê significado à sua vida.

As pessoas que se envolvem na vida dos seus familiares e amigos e que se envolvem nas questões comunitárias do seu bairro, da sua aldeia ou do seu clube, não sofrem de solidão ou de crises existenciais. Mas aquelas que têm dificuldades sérias de comunicação, aquelas que se mostram incapazes de se comprometer, isolando-se, são muito propensas a estas crises, deprimindo-se e acabando por considerar que a sua vida tem pouco significado.

Algumas pessoas experimentam esta sensação quando saem da faculdade. O facto de deixarem de ter de cumprir com os calendários impostos por cada semestre fá-los-á perder o contacto com a maior parte das pessoas com quem antes conviviam. Percebem muitas vezes que não construíram amizades. Outras passam por algo semelhante quando perdem o emprego. E há ainda aquelas que vivem constantemente ansiosas e que evitam o contacto social porque temem sentir-se rejeitadas. Auto-isolam-se porque consideram que os outros não gostam delas, não vão valorizar a sua companhia, ou porque elas próprias não vão saber o que dizer/ fazer em eventos sociais.

O maior dilema destas pessoas é “O que é que eu posso fazer para mudar?” – A verdade é que o ser humano tem uma capacidade praticamente ilimitada para evoluir, para melhorar a sua vida. Mas para começarmos a mudar é fundamental desejarmos essas mudanças. E até as pessoas que se sentem deprimidas ou ansiosas serão capazes. O primeiro passo é pedir ajuda.

Depois, é importante interiorizar que quando nos envolvemos no percurso de outras pessoas, quando nos comprometemos em termos afectivos e procuramos contribuir positivamente para a vida dos outros, sentimo-nos progressivamente mais preenchidos e optimistas.


No man is an island entire of itself;
every man is a piece of the continent, a part of the main;
if a clod be washed away by the sea,
Europe is the less, 
as well as if a promontory were,
as well as any manner of thy friends or of thine own were;
any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind.
And therefore never send to know for whom the bell tolls;

it tolls for thee.
John Donne 

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