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5.7.18

OS PAIS E AS MÃES TAMBÉM FAZEM BIRRA


Muito se diz e se escreve sobre as birras das crianças: como gerir, o que fazer, o que não fazer, porque é que as birras acontecem… Felizmente, há cada vez mais informação disponível, os pais e mães estão cada vez mais curiosos em relação àquilo que possa ajudar a criar crianças mais felizes e equilibradas. E os adultos? Também têm o direito de fazer birra? E que impacto é que as birras dos adultos têm no comportamento e (sobretudo) no bem-estar das crianças?

Há uma frase que digo muitas vezes em terapia: «Nós temos o direito de sentir TUDO mas não temos o direito de fazer tudo o que nos apetece com esses sentimentos». Faço-o com a intenção de chamar a atenção para a necessidade de assumirmos uma postura de aceitação, curiosidade e não-julgamento em relação aos sentimentos (nossos ou das pessoas à nossa volta) mas também com a intenção de chamar a atenção para a importância de nos relacionarmos uns com os outros com base no respeito.

Se uma pessoa receber uma notícia horrível de uma injustiça que envolva um familiar, tem o direito de se sentir profundamente enraivecida MAS não tem o direito de, a propósito dessa raiva, tentar resolver o assunto com violência. Da mesma maneira, se uma pessoa se sentir insegura a propósito da relação que o companheiro mantém com as colegas de trabalho, tem o direito de verbalizar essa insegurança mas NÃO tem o direito de fazer chantagem emocional ou de obrigar o companheiro a cortar relações com essas pessoas.

As crianças – precisamente por ainda serem crianças – não têm esta capacidade de diferenciar os sentimentos dos comportamentos. Nem sempre conseguem dar-se conta de que há diferentes caminhos para as mesmas emoções. É natural que se sintam dominadas pela raiva ou pela frustração e que exteriorizem estas emoções com gritos e birras. Da mesma maneira que nem sempre conseguem gerir o cansaço ou o sono e… fazem birra.

É aos adultos que compete ajudá-las a identificar os sentimentos, em primeiro lugar, e, depois, ajudá-las a perceber que há escolhas (comportamentos) que podem ajudá-las a exteriorizar esses sentimentos com respeito pelo outro. Claro que esta resposta requer que o pai ou a mãe tenha a paciência e a disponibilidade emocional para parar, observar e questionar com genuína curiosidade e vontade de responder com afeto aos apelos e às necessidades afetivas que estão por detrás das birras.

O RESPEITO PELOS SENTIMENTOS DA CRIANÇA COMEÇA EM NÓS 


Em teoria, é muito fácil entender que as crianças têm o direito de ter dias maus, têm o direito de exteriorizar as emoções à medida dos seus recursos, têm o direito de fazer birra. Na prática, é ainda mais fácil sentirmo-nos dominados pelo cansaço, pela frustração de não estarmos a conseguir fazer com que a birra passe ou pela raiva. É normal que estas emoções surjam e, até certo ponto, é saudável que, de vez em quando, tomem conta de nós. Não, não é desejável que um pai ou uma mãe esteja sistematicamente impaciente, que reaja a todas as birras com gritos e explosões MAS…



Quanto maior for a nossa intenção de prestarmos atenção aos nossos sentimentos, maior é a probabilidade de gerirmos as nossas emoções sem que nos sintamos inundados por nenhuma delas. Mas há dias que são mais difíceis do que outros e há alturas em que em vez de sermos nós a tomar conta das emoções são elas que tomam conta de nós. O que é que podemos fazer quando, apesar das nossas melhores intenções, respondemos aos desafios dos nossos filhos com gritos, ameaças («Olha que ficas de castigo!») ou chantagem emocional? Podemos começar por reparar nisso, no facto de nos termos desviado das nossas intenções, e assumir o erro. Quando dizemos «Desculpa, não queria ter gritado contigo», estamos a voltar a tomar conta das nossas emoções respeitando os sentimentos dos nossos filhos. Este pode ser o primeiro passo para que, com abertura e curiosidade, nos questionemos sobre aquilo que estamos a sentir (cansaço? Frustração?) bem como sobre aquilo que a criança está a sentir.

Se o adulto se der conta de que errou e tiver a capacidade de pedir desculpa à criança, está sobretudo a dizer-lhe que ela pode fazer o mesmo.


Se dermos a nós próprios a possibilidade de errar,
estaremos a dizer aos nossos filhos que eles também
têm esse direito. Ninguém tem de carregar a
obrigação de tentar ser uma pessoa perfeita.



Depois é tempo de tentar gerir as próprias emoções. Se o adulto se der conta de que se sente sobretudo muito cansado, talvez possa pedir ao companheiro para lidar com aquela situação durante alguns minutos para que ele/a possa descansar um bocadinho. E mais tarde talvez valha a pena perguntar «O que é que eu posso fazer para que não chegue a esta hora do dia tão cansado/a? Que mudanças posso implementar?». As respostas podem não surgir tão imediatamente como gostaríamos mas o simples ato de colocarmos a pergunta com genuína curiosidade já é muito empoderador.

Na prática, só se o adulto respeitar os próprios sentimentos, valorizando-os, é que conseguirá valorizar os sentimentos da criança na medida certa.



Há alturas em que mais vale dizer «O papá/ a mamã está muito cansado/a. Preciso da tua ajuda». A criança nem sempre conseguirá responder como nós gostaríamos mas, neste caso, já estamos a fazer alguma coisa que traduza o respeito pelos nossos sentimentos. Se, em vez disso, perguntarmos, irritados, «Porque é que tu não te portas bem?», podemos estar apenas a exigir que a criança se “porte bem” sem estarmos disponíveis para a escutar e para compreender os seus sentimentos (ou os nossos).

BIRRAS GERAM BIRRAS


Se é verdade que os adultos também têm o direito de fazer birras de vez em quando, é fundamental que paremos para reparar nas nossas escolhas, sobretudo quando os nossos filhos atravessam períodos em que mostram comportamentos mais desafiantes. Estaremos a dar-lhes a atenção de que precisam? Estaremos a ser capazes de lhes mostrar o nosso amor INCONDICIONAL de forma clara? Estaremos a criar crianças seguras?

Não é o facto de passarmos algum tempo diariamente com os nossos filhos que nos garante que estejamos a conseguir ligar-nos a eles.



Por outro lado, é importante que reparemos na forma como lidamos com a frustração associada às escolhas que a criança faz e que nos desagradam, à forma como lidamos com o nosso companheiro e à forma como nos relacionamos com a maior parte das pessoas à nossa volta. Se for usual lidar com as suas emoções com gritos, explosões, amuos ou outras formas de desrespeito, é natural que a criança assimile estes padrões. Se a criança se sentir frequentemente insegura em relação ao amor dos pais, seja porque fazem chantagem emocional, porque associam o afeto ao desempenho escolar ou porque não prestam atenção, é mais provável que faça birras que, para os adultos, se confundem com malvadez ou má educação.

Nunca conheci uma criança “malcomportada” que se sentisse segura e respeitada em contexto familiar. Todas as crianças têm o direito de fazer birra e esses instantes não fazem delas crianças “más”. Quanto mais formos capazes de parar para reparar nos seus sentimentos e as ajudarmos a geri-los, mais respeitadas se sentirão e maior será a probabilidade de se transformarem em adultos capazes de desenvolver laços baseados no respeito mútuo.
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