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26.3.20

COMO MANTER UM CASAMENTO SAUDÁVEL EM TEMPOS DE ISOLAMENTO E COVID-19


Casamento saudável em tempos de isolamento e covid-19

Assim que surgiram as primeiras notícias sobre a necessidade de ficarmos de quarentena, apareceram muitas piadas sobre o que aconteceria aos casamentos. Alguns vaticinaram um baby boom, enquanto outros profetizaram um aumento exponencial do número de divórcios. Que impacto pode ter o isolamento social nas relações amorosas?


Há muitos anos que os psicólogos e os advogados sabem que os períodos pós-férias são sinónimo de aumento do número de separações. O Natal e as férias de verão são duas alturas do ano em que as famílias acabam por passar mais tempo juntas e, para muitas, isso é sinónimo de muita tensão e algumas revelações. Por exemplo, há muitas relações extraconjugais que são descobertas nestes períodos – os casais estão mais tempo juntos, prestam mais atenção a alguns detalhes. Mas não é só: no dia-a-dia, acabamos por estar muito ocupados com todos os compromissos sociais, profissionais e familiares. Quando paramos, as expectativas são altas e a realidade nem sempre corresponde ao que idealizámos. Nalguns casos, essas paragens dão lugar à constatação de que os sentimentos românticos desapareceram. Noutros casos, os sentimentos estão lá, mas há muita tensão e é preciso pedir ajuda.

O que acontecerá às relações amorosas no período de quarentena?


As respostas concretas a esta pergunta só poderão ser dadas com exatidão daqui a alguns meses, mas é possível antecipar alguns cenários e fazer escolhas mais conscientes.

Sabemos que qualquer evento stressante tanto pode unir como pode separar um casal. Pelo meu consultório passam muitos casais que se referem a acontecimentos difíceis que foram autênticas fontes de conexão emocional. Quando duas pessoas se unem contra uma ameaça comum, o sentimento de pertença aumenta. Infelizmente, isto nem sempre acontece e, nalguns casos, a desunião está relacionada precisamente com a forma como cada um encara a ameaça.

Por exemplo, nos dias de hoje algumas pessoas tenderão a sentir-se mais seguras e otimistas se dosearem o acesso às notícias, enquanto outras preferirão manter-se atualizadas “ao minuto”. É muito fácil haver muita tensão entre os membros do casal na medida em que um considere que o outro está a exagerar ou a desvalorizar o problema e, sobretudo, se esses juízos de valor forem manifestados sob a forma de críticas duras.

Nos últimos dias tenho ouvido alguns casais que me descreveram discussões acesas a propósito da forma como cada um tem lidado com as saídas de casa. Para algumas pessoas, as preocupações profissionais – que vão desde o medo de perder o emprego até à vontade de ajudar os membros da equipa – impedem que o trabalho seja feito a partir de casa. Se do outro lado estiver alguém muito ansioso, isso é meio caminho para que haja uma discussão acesa, recheada de acusações.

A Pandemia tem efeito na líbido?


Todos nós já vimos alguns memes sobre um possível baby boom depois da quarentena, mas a verdade é que uma das consequências desta pandemia é a subida dos níveis de ansiedade e isso pode fazer diminuir o desejo sexual. Por outro lado, há pessoas que me dizem que não se sentem particularmente stressadas, mas que simplesmente não têm muita vontade de ter sexo. Essa falta de vontade é muitas vezes sentida como uma forma de rejeição. Se a comunicação não for clara, é fácil haver um distanciamento cada vez maior.

Um dado curioso relacionado com aquilo que temos vivido nas últimas semanas pode ajudar-nos a perceber de que forma é que a nossa sexualidade está a ser impactada pelo isolamento provocado pelo covid-19: no mês de março houve um aumento significativo no acesso a sites de pornografia. Se pensarmos que estes sites são maioritariamente visitados por homens, é fácil calcular que possa começar a haver o tal distanciamento.

Tal como tenho explicado noutros textos, o desejo sexual não depende apenas de quão atraente é a pessoa que amamos.

O desejo que sentimos também está associado ao nosso próprio bem-estar, à estabilidade emocional, à perseguição dos nossos sonhos e à sensação de termos poder sobre a nossa própria vida.


Por outro lado, para a esmagadora maioria das pessoas, o desejo é maior na medida em que haja alguma dose de mistério, novidade e sedução. É como se nos sentíssemos mais atraídos por alguém na medida em que tenhamos a consciência de que aquela pessoa não é verdadeiramente nossa nem está sempre disponível. Ora, essa “distância de segurança” é mais difícil de existir quando ambos estão dentro de casa 24 horas por dia.

Como é que se mantém um casamento no meio de tanta incerteza?


Se olharmos para a história recente, vamos dar-nos conta de que as catástrofes – naturais ou não – não são sempre um trampolim para o divórcio. Pelo contrário, há casais que não só sobreviveram a grandes crises, como conseguiram que a sua relação saísse ainda mais fortalecida. Que competências têm esses casais? Que escolhas fizeram?

Empatia, altruísmo, compaixão


A ciência tem-nos mostrado que os casais mais felizes são genuinamente altruístas. Isso implica que cada um preste atenção aos sentimentos do outro, valorizando-os na medida certa. Não implica que estejam sistematicamente de acordo. Por exemplo, no caso que descrevi antes, o que é importante não é que os membros do casal estejam de acordo em relação ao teletrabalho ou ao trabalho fora de casa. Na verdade, todos os casais vão divergir sobre assuntos importantes – dentro ou fora da quarentena. Aquilo que importa é que cada um seja capaz de falar abertamente sobre aquilo que SENTE a propósito de qualquer assunto e que o outro responda com atenção e afeto. Quando uma pessoa diz «Vê-se mesmo que só pensas em ti» ou «O trabalho é mais importante do que eu», até pode achar que está a mostrar os seus sentimentos, mas NÃO está. Está a permitir que a aflição tome conta de si e assuma a forma de acusações que invariavelmente serão sentidas como injustas. Pelo contrário, se uma pessoa disser «Quando tu escolhes ir trabalhar, eu sinto-me inseguro(a)/ assustado(a)/ muito preocupado(a). Podemos falar sobre isto?», abre espaço para que o(a) companheiro(a) possa responder de forma compassiva e mostre os seus próprios sentimentos.

Aquilo que nos une é a certeza de que a pessoa que está ao nosso lado se preocupa genuinamente connosco, se importa com aquilo que nós sentimos (mesmo que faça uma escolha diferente da que desejamos).


O mesmo é válido para a comunicação a propósito do sexo e do desejo sexual. Se escolhermos falar abertamente sobre aquilo que sentimos, é mais provável que evitemos a escalada de críticas e agressividade.

Dizer «Quando tu dizes que não tens vontade eu sinto-me rejeitado(a)», é muito diferente de dizer «É sempre a mesma coisa» ou, pior, «Não acho normal».

A importância do toque durante a quarentena


Independentemente de o desejo sexual sofrer alterações, há algo que está ao alcance de todos e que produz milagres na sensação de segurança e de conexão: os gestos de afeto. Quando os dois membros do casal têm mesmo de ficar fechados em casa durante muito tempo, há mais oportunidades para trocar gestos de afeto. Um abraço demorado ou um beijo mais prolongado não nos roubam tempo ao trabalho ou aos afazeres domésticos e trazem a certeza de sermos amados. É muito menos provável que alguém se sinta rejeitado ou abandonado se houver gestos de afeto com regularidade.

Em tempos de isolamento, os casais podem aproveitar todos os tempos “livres” para fazer coisas que, na azáfama normal dos dias passam para segundo plano: criar o ritual de verem séries de televisão agarradinhos, fazer uma pausa a meio do dia para tomar um café ou um chá, organizar, a dois, álbuns de fotografias ou simplesmente organizar a casa. Há um efeito calmante associado ao ato de “destralhar” e organizar armários e gavetas e isso também pode ser feito a dois. Pelo meio, é natural que surjam alguns momentos de tensão, mas se ambos se esforçarem e o toque estiver presente, é mais provável que rapidamente os ultrapassem, porventura com algumas gargalhadas pelo meio.

Gratidão: uma ferramenta poderosa


Há muito tempo que me refiro às práticas de gratidão como ferramentas terapêuticas poderosíssimas. Pararmos diariamente para prestar atenção (e escrever sobre) coisas positivas que nos rodeiam é ainda mais importante em tempos difíceis. É um grande desafio, sim. Não é fácil manter o otimismo ou a gratidão quando nos sentimos esmagados por notícias que nos dão conta de centenas de mortos por dia ou da escassez dos recursos dos diversos serviços de saúde. Também não proponho que nos alheemos da realidade e que finjamos que está tudo bem. Refiro-me, isso sim, à possibilidade de dosearmos o acesso à informação e darmos o nosso melhor para que os gestos de bondade e afeto sejam valorizados na medida certa e alimentem a nossa esperança.

Criar o ritual de aceder às informações uma ou duas vezes por dia – idealmente de manhã – pode não ser fácil, sobretudo porque sabemos que há constantemente novidades a sair. Mas dificilmente vamos sentir-nos melhor se formos bombardeados com informações tantas vezes contraditórias ou, pelo menos, difíceis de compreender.

A par deste doseamento, quando os membros do casal escolhem parar diariamente para escrever sobre as coisas mais positivas de cada dia, estão a trabalhar no sentido de controlar a ansiedade e manter o otimismo. Esta estratégia pode revelar-se crucial para manter a união conjugal. E a que podemos prestar atenção quando o mundo parece estar a desmoronar? Já todos ouvimos e vimos cenários comoventes de dezenas de vizinhos reunidos nas varandas a cantar ou relatos de pessoas que decidiram voluntariar-se para ajudar os vizinhos mais velhos ou mais vulneráveis, disponibilizando-se para ir à farmácia ou ao supermercado.

Se é verdade que a ansiedade é contagiosa, e isso é especialmente válido na relação de casal, também é importante lembrar que a bondade e a calma também podem ser contagiantes.


Quando paramos para escrever sobre os acontecimentos que contribuíram para melhorar o nosso dia, também é mais provável que nos lembremos de escrever coisas como «Sinto-me grato(a) pelo facto de o(a) meu(minha) companheiro(a) ter tido paciência para a minha explosão de hoje» ou «Sinto-me grato(a) pelos abraços que ele(a) me deu». Felizmente, a ciência tem-nos mostrado que este gesto tão simples de nos obrigarmos a escrever sobre aquilo por que nos sentimos gratos é imensamente terapêutico – ajuda a controlar a ansiedade, a desenvolver a empatia e a compaixão, a estreitar laços e a desenvolver a motivação para escolhas que promovam a nossa saúde.

Distanciamento não é desconexão


Começámos este período de isolamento cheios de energia e de vontade de nos mantermos ligados aos familiares e amigos através da tecnologia. Mais do que nunca, as videochamadas e aplicações como o Houseparty vieram trazer a possibilidade de gerirmos as saudades das pessoas que amamos. Mas, ao fim de quase duas semanas, começo a ouvir relatos de cansaço e de desmotivação. Algumas pessoas assumem que já não têm tanta paciência para as mensagens de Whatsapp ou que nem sempre têm vontade de participar numa videochamada de grupo. As reuniões à distância que, no princípio, deram origem a gargalhadas terapêuticas, deram lugar, nalguns casos, a alguma tristeza e cansaço. É natural. Estamos a viver algo absolutamente novo e estamos a adaptar-nos da melhor maneira que conseguimos. As novidades dos primeiros dias deixaram de ser novidade e precisamos de gerir as emoções e os pensamentos que vêm com este isolamento. Para alguns, é sobretudo a preocupação com o futuro profissional e financeiro, o medo de não haver dinheiro para fazer face às despesas essenciais. Para outros, são as saudades de todas as coisas que contribuem para o bem-estar – os abraços à família de origem, os almoços de domingo, as saídas com amigos, o exercício físico ao ar livre. Pelo meio, há sonhos que sabemos que podem ter de ser adiados, há projetos que não sabemos se irão para a frente e isso é desmotivante.

Temos o direito de sentir medo – por nós e pelas pessoas que amamos -, temos o direito de sentir tristeza, raiva ou confusão. E não há por que camuflar estas emoções ou fazermo-nos de mais fortes do que efetivamente somos. Pelo contrário, quando escolhemos mostrar-nos de forma autêntica – à pessoa que está ao nosso lado e aos familiares e amigos que estão do outro lado do ecrã, é mais provável que recebamos o amparo de que precisamos para nos reerguermos. Isto é especialmente impactante para a relação de casal. A vulnerabilidade é muitas vezes vista como fraqueza, mas a verdade é que quando nos vulnerabilizamos, quando mostramos aquilo que estamos a sentir, acabamos por conseguir gerir os nossos sentimentos de forma muito mais equilibrada. Reconhecer aquilo que estamos a sentir e assumir aquilo de que precisamos é um sinal de amor próprio, de respeito por nós mesmos.

Quando os membros do casal se expõem e se vulnerabilizam e quando escolhem responder com atenção e afeto a estes apelos, sentem-se invariavelmente mais unidos, mais seguros e mais otimistas.

Em tempos de isolamento, somos todos malabaristas


Quase todos os casais com filhos pequenos têm sido confrontados com o desafio de, de um momento para o outro, passarem a ter de ser pais, educadores de infância, professores, explicadores, empregados domésticos, profissionais em teletrabalho e, claro, parceiros românticos. Não é fácil manter a calma, o foco, a organização e a paciência quando há muito mais solicitações do que aquelas a que estávamos habituados ou quando simplesmente constatamos que, no final do dia, produzimos muito menos do que seria desejável.

O caminho mais fácil é permitirmos que as emoções tomem conta de nós e desatarmos a descarregar no adulto que está mais perto: o(a) nosso(a) companheiro(a). No meio do malabarismo que é gerir todos os papéis em simultâneo, há alturas em que ficamos com a sensação de que a pessoa que está ao nosso lado está a ser egoísta ou simplesmente não valoriza os nossos sentimentos e as nossas necessidades. Quando ele(a) não faz aquilo que pedimos, quando responde de forma mais acesa ou parece privilegiar a carreira em detrimento da ajuda familiar, é tentador fazer acusações.

Quando um dos membros do casal se fecha numa divisão da casa para reunir com o chefe por videoconferência e o outro não consegue impedir que a criança de cinco anos invada a reunião a gritar por causa do brinquedo desaparecido, pode parecer que houve negligência. Na prática, ambos estão sob muita pressão e praticamente não têm momentos de descompressão.

Uma das ferramentas que nos podem ajudar a manter o foco é a compaixão. Lembrarmo-nos de que este é, efetivamente, um período muito duro para todos é essencial para que olhemos para a pessoa que está ao nosso lado reconhecendo que também ela está apenas a dar o seu melhor.

Por outro lado, é fundamental que haja genuína camaradagem e que cada um possa ter tempo para fazer aquilo que o(a) ajude a descomprimir. Uma hora de exercício físico ou a jogar Playstation enquanto o outro “segura as pontas” pode ser revigorante.

Neste momento, há muita coisa para gerir e demasiada incerteza em relação ao futuro, mas há algo de que não nos podemos esquecer: esta pandemia vai passar. É fundamental que olhemos para o futuro e que façamos hoje as escolhas que nos permitam estarmos junto das pessoas que amamos quando tudo isto passar. Este período é um teste às relações, sim, e é fundamental que nos lembremos de cuidar de nós e das nossas relações hoje, colocando em prática os primeiros socorros psicológicos e pedindo ajuda se necessário.
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