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3.3.20

UMA TRAIÇÃO PODE MELHORAR UM CASAMENTO?


Uma traição pode melhorar um casamento?


Um casamento pode ficar melhor do que era antes de uma infidelidade? Ou isso é só mais um mito propagado por quem quer legitimar as traições? Afinal, uma traição é uma crise por que ninguém quer passar, mas, ao mesmo tempo, ouvimos dizer de forma sistemática que todas as crises são oportunidades de crescimento.





Há tempos, numa consulta de terapia conjugal, o marido dizia «O cancro foi a melhor coisa que nos aconteceu enquanto casal», referindo-se à doença por que a mulher tinha passado e vencido. Naquele instante, reconheci o choque no olhar da mulher, ainda que, nas suas próprias palavras, a doença tenha servido como um ponto de viragem que aconteceu precisamente numa altura em que estavam prestes a separar-se. O turbilhão de emoções por que passaram obrigou-os a rever prioridades, a repensar uma série de escolhas e a olhar para o casamento de forma mais consciente. Ainda assim, foi uma experiência violenta, como o cancro é quase sempre.

Quase todos conhecemos pessoas que, tendo sobrevivido a uma doença grave, passaram a olhar para a vida de forma muito diferente, assumindo uma postura mais grata em relação a um bem que damos por garantido quando vivemos em piloto automático. Ainda assim, não há ninguém que deseje passar por uma experiência como esta e todas as pessoas que estão neste momento a lutar pela vida davam tudo para ter a normalidade de volta.


Traição: um terramoto emocional


Uma infidelidade é um terramoto que só quem já viveu compreende. Quase todos os dias ouvimos falar de histórias de traições e de casamentos que terminam e acabamos por supor que sabemos quase tudo sobre o assunto. Até assumimos, com profunda convicção, aquilo que faríamos (e o que não faríamos) se nos tocasse a nós.

Uma traição é quase sempre mais impactante do que alguém possa supor. É uma perda gigantesca que vai muito além da quebra de confiança.


Em primeiro lugar, há a tristeza e a ansiedade, que surgem com uma intensidade com que ninguém conta. Isto acontece precisamente porque, de uma maneira geral, quando nos ligamos a alguém romanticamente e construímos uma relação duradoura, o nosso bem-estar passa a estar absolutamente correlacionado com o bem-estar da outra pessoa. É um bocadinho como se uma parte do nosso coração passasse a bater fora do nosso corpo. Por exemplo, há diversos estudos que mostram que uma ligação amorosa se estende até a um nível biológico. Isto é, a nossa saúde física, o nosso batimento cardíaco, a nossa imunidade e a probabilidade de sermos afetados por um conjunto de doenças são afetados pela qualidade do estado da relação.

Quando o tapete é puxado e uma pessoa descobre que a pessoa a quem está emocionalmente ligada a traiu, toda a vida parece desmoronar-se e todas as certezas se evaporam. É um pesadelo que ninguém deseja, que ninguém antecipa.

Uma infidelidade pode ser uma oportunidade de crescimento?


Mais cedo ou mais tarde, todas as pessoas afetadas por uma traição são confrontadas com a necessidade de tomar decisões. É nesta altura que se dão conta de que falar é sempre mais fácil do que fazer e que, afinal, é absolutamente possível querer continuar uma relação depois de uma infidelidade, ainda que, na esmagadora maioria das vezes, não se saiba como o fazer.

Na maior parte das vezes, os casais que escolhem dar uma oportunidade ao casamento comprometem-se em colocar uma pedra sobre o assunto e começar do zero. Dão o seu melhor no sentido de tentarem trazer os elementos a que foram dedicando menos atenção de volta ao dia a dia, como as saídas a dois e os gestos românticos. Invariavelmente, dão-se conta de que, ainda que haja arrependimento genuíno e vontade de ambos de reconstruir a relação, a realidade é quase sempre mais dura e desafiante.

É nesta altura que costumam pedir ajuda da terapia de casal. Por um lado, sabem que o luto é um processo que não acontece com um estalar de dedos e sentem a necessidade de conversar com alguém de fora, que os ajude a identificar aquilo que cada um pode fazer para que essas emoções sejam suficientemente valorizadas, sem que isso roube a esperança num futuro mais risonho. Por outro, começam a dar-se conta de que há outras “pequenas traições” que foram colecionando ao longo do tempo e que, não justificando a infidelidade, precisam de ser reconhecidas, precisam de ser discutidas.

Traições para além da infidelidade


Se duas pessoas são muito agressivas uma com a outra, se se sentem sobretudo presas uma à outra, mas passam a vida a fazer críticas e acusações, como se se tratassem de borboletas cujas asas estão coladas à parede, será que podemos falar da inexistência de traição?

Não termos uma relação extraconjugal não é uma garantia de que sejamos bons maridos ou boas mulheres.


A infidelidade é normalmente hipercriticada. É um sinal claro de que alguém errou, desviando-se não só das escolhas moralmente mais acertadas, mas sobretudo do compromisso que assumiu. Mas quando iniciamos uma relação, não nos comprometemos apenas com a fidelidade, pois não? Comprometemo-nos a ser carinhosos, a estar “lá” para apoiar a pessoa que amamos, para a escutar todos os dias com atenção e a incentivá-la a lutar pelos seus sonhos, por aquilo que a faz feliz.

Muitas vezes, não só nada disto está presente numa relação, como há alguém que é continuamente desprezado, continuamente ignorado, continuamente criticado. E, se não houvesse traição, o círculo vicioso dificilmente se quebraria.

Esta é a verdade nua e crua: alguns casamentos melhoram muito depois de uma infidelidade. Isso não significa que a infidelidade seja a “receita” para melhorar um casamento. Nunca é. Mas, para alguns, é a oportunidade para virar a vida do avesso, repensar escolhas e ter um casamento genuinamente feliz.
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