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6.2.17

TUDO O QUE O AMOR NÃO É: VIOLÊNCIA EMOCIONAL


«És demasiado sensível. Não tens sentido de humor». Foram tantas as vezes que Anabela ouviu aquelas frases que, a partir de certa altura, passou a acreditar neste e em todos os rótulos que o marido lhe foi atribuindo. Foi preciso muito tempo para perceber que as piadas que João fazia junto de familiares e amigos, inferiorizando-a, também eram uma forma de violência emocional. Apesar de sofrer com os comentários, habituou-se a desvalorizar os seus sentimentos. Afinal, era a pessoa que amava que lhe dizia que ela era “demasiado sensível”.



- Estás chateada com o quê?
- Hã? Eu não estou chateada.
- Podes não reparar, mas sempre que vens do curso novo que estás a fazer pareces outra. Andas mais sisuda, mais rabugenta.
- Mas eu nem disse nada…
- Estás a ver? Já estás a arranjar discussão. Não se pode falar contigo.

Rita não se deu conta de que, enquanto o marido definia os seus sentimentos, dizendo-lhe que estava zangada, estava na verdade a sabotar uma atividade de que ela gostava e que o fazia sentir-se ameaçado. Ninguém está permanentemente atento à própria expressão facial e, quando a pessoa de quem gostamos nos diz que estamos com ar cansado ou zangado, acreditamos. A última coisa em que pensamos é que aquilo possa ser uma forma de abuso.


«Se tu gostasses MESMO de mim, não me obrigavas a ir a esse jantar. A tua mãe está sempre a falar dela mesma e o teu pai não perde uma oportunidade para se queixar disto e daquilo. Numa relação é importante fazer cedências e prestar atenção ao que a pessoa de quem gostamos sente. Tu não te preocupas comigo?». Claro que Rute se preocupa com o marido. E é óbvio que Vasco sabe disso. Por que faz chantagem emocional? Porque é que  não diz qualquer coisa como «Eu sei que era importante para ti que eu fosse mas hoje sinto me cansado, impaciente. Não te importas que eu fique?». Porque para si é mais gratificante exercer poder sobre a mulher, definir os sentimentos dela («se tu gostasses mesmo de mim…»), forçá-la a fazer uma escolha diferente daquela que gostaria, potenciar sentimentos de culpa e colocar-se numa posição de superioridade, capaz de identificar os comportamentos certos e errados de uma boa relação.


«Como é que tu achas que os nossos filhos vão olhar para ti? Vão acusar-te de egoísmo e malvadez. Não se desiste assim de uma família. Não se tira a estabilidade emocional a duas crianças nem se termina um amor de vinte anos só por causa de meia dúzia de discussões. Pergunta a quem quiseres. Até os teus pais vão ficar em choque. Eles sabem que eu te adoro.».

Nuno sabia aquilo que estava a dizer. Sabia que ao definir a personalidade da mulher e ameaça-la com os juízos de valor dos filhos estava a tocar no seu maior medo. Ainda que a mulher e os filhos tenham sido vítimas continuadas das suas explosões, das suas críticas e da sua chantagem emocional, Nuno deu o seu melhor para manter uma imagem de pai de família imaculado. Sabia que toda a gente à sua volta o via como uma pessoa simpática, generosa e altruísta. É assim que muitos abusadores se comportam fora de casa.


Quando Luís entrou na sala de cinema com a mulher, sabia que viriam dias difíceis. Tinha acabado de ser simpático com a funcionária que lhe vendeu as pipocas, sorrindo perante uma brincadeira. Ana, a mulher, não gostou e, à entrada para o cinema disse apenas «És ridículo». Seguiram-se dois dias de “tratamento do silêncio”. Luís estava habituado a esta forma de violência embora não tivesse consciência de que era disso que se tratava. Sabia que se contrariasse as expectativas da mulher poderia estar horas, dias ou semanas sem receber qualquer gesto de carinho. Sofria com isso mas estava longe de perceber que os comportamentos abusivos estavam a destruir a sua autoestima.


«Não vales nada.». É curioso como a frase, repetida até à exaustão, deixou de escandalizar Diana. Era ela que trabalhava fora de casa, era ela que brilhava no mundo corporativo e era ela que sustentava a família. Fernando estava desempregado há muito tempo e Diana habituou-se a atribuir as humilhações à diminuição da autoestima do marido. Durante muito tempo não percebeu que aquela era só mais uma forma de controlo, mais uma forma de o marido se superiorizar e, em função disso, mantê-la sob as suas ordens.



A violência emocional pode assumir muitas formas. Pode ser feita em voz baixa, quase doce, confundindo a vítima. Pode incluir gritos, insultos e explosões. Mas também pedidos de desculpas que parecem uma nova lua-de-mel. Muitas vezes é praticada por alguém que publicamente tem uma imagem imaculada e que, em privado, vai aprimorando técnicas para exercer o seu poder sobre a pessoa que alegadamente ama. Normalmente não há um plano maquiavélico. Aquilo que existe é uma espécie de filme, imaginado por si, e uma vítima que, na sua cabeça, deveria comportar-se sempre de acordo com as suas expectativas. É como se houvesse um guião e a pessoa amada fosse uma personagem. Quando a personagem ganha vida e revela vontades, sentimentos ou interesses próprios, surgem comportamentos abusivos.
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